O convidado da segunda edição da newsletter do Grupo HM Consultores é Ângelo Correia, ex-ministro da Administração Interna, ex-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Árabe-Portuguesa.
- Como olha para futuro da economia nacional? Aproxima-se uma nova crise?
O passado recente da economia portuguesa não se afigura muito positivo, o seu futuro ainda menos. Há uma ausência de objetivos, de uma estratégia nacional em relação às capacidades produtivas e à intervenção em mercados externos; há insuficientes apoios e uma série de códigos de valores que atualmente não consideram a produção como um aspeto essencial da sobrevivência como comunidade. Assentamos os nossos valores na lógica da distribuição e não da produção, por outras palavras, andamos a comer um bolo que qualquer dia não existe, apesar de todas as pessoas ficarem com vontade de o comer. A alteração dessa situação é difícil, requerendo acima de tudo perceções e vontades acrescidas. Não é possível prever uma crise nacional específica, já que o grau de ligação da economia portuguesa ao exterior é extremamente forte legitimando que esteja o exterior a origem dos nossos problemas. Essa crise que anda a ser anunciada há algum tempo, parece corresponder à noção dos ciclos históricos e económicos que se constataram no passado e que hoje em dia se consideram inevitáveis, sem garantia que possa, aliás, se houvesse garantias e conhecimento antecipado, elas não ocorreriam, seguramente.
- Quais os principais problemas que as empresas atravessam, e a forma de os resolver?
Os principais problemas que as empresas portuguesas atravessam residem nas suas dimensão, capitalização, liderança e competitividade. Portugal teima em ter empresas excessivamente dominadas pelo conceito micro e mini, o que não lhes permite assegurar custos suficientes para garantir preços competitivos, sobretudo no mercado externo. Não lhes garantem capacidade de penetração adequada no exterior, de marketing e procurement, e, por isso, devem obrigatoriamente sofrer processos de redimensionamento, os quais só podem ter lugar por vontade dos próprios accionistas. O empresariado português prefere concentrar-se em atividades estritamente pessoais inibindo-a da capacidade de se associar a outros.
Em segundo lugar a capitalização. Viveu-se demasiados anos à sombra da banca, já que os capitais próprios que os empresários colocavam eram escassos. Atualmente a banca não favorece tal situação e é bom que os empresários sintam e percebam que será através dos seus próprios recursos que conseguem financiar grande parte das suas atividades. Contudo, o quadro de valores que circunscreve a atividade produtiva não parece o mais adequado a isso, e traduz um importantíssimo constrangimento para o desenvolvimento de um país.
Por último a questão da produtividade. Só sobrevive uma economia que produza bens ou serviços competitivos. Já existem dificuldades, com alguns fatores de produção, nomeadamente a energia que é das mais caras da Europa, bem como, o custo do capital que é bastante caro, e estes são fatores inibidores aos quais se acrescenta um que não sendo tangível no primeiro momento, que é a burocracia imposta pelo Estado às empresas. Atualmente a maior parte delas é obrigada a envolver meios adicionais para resposta a problemas que lhes são colocados do exterior, nomeadamente pelo estado, mais do que dos próprios stakeholders, o que determina maiores dificuldades às suas atividades e desenvolvimento, o que significa que grande parte do tempo que um empresário deve desenvolver não se destina à sua empresa, nem sequer à sua aprendizagem e mobilização mas antes a algumas atividades acessórias das quais se destacam as referidas.
Portugal só tem neste momento um rácio de exportações face ao produto interno de cerca de 45%. A maior parte das economias em desenvolvimento da europa, como a Polónia, Eslovénia, Eslováquia, Países Bálticos, estão a caminhar para valores de cerca de 60 e 70% para não falar da Irlanda que já atingiu mais de 70%. A sobrevivência da economia nacional está nos mercados externos, e tal não se determina através de decretos, mas, de um elevado esforço, pesquisa, trabalho e contacto externo. Um empresário, hoje em dia, é um promotor externo, quer para os seus produtos e serviços, como também para a perceção, como pode mudar a sua empresa e a si próprio.
- O que falta às empresas para serem mais competitivas a nível global?
Aquilo que eu disse anteriormente, a dimensão, capital, liderança, competitividade e vontade.
Se há um esforço fundamental a requerer aos nossos empresários e aos seus quadros, há um esforço adicional também a requerer ao estado português. Este não está a ajudar as empresas portuguesas, não cria políticas amigas do investimento, não cria políticas de confiança junto das pessoas. A maior parte da legislação portuguesa está feita na base da suspeita, dos empresários, das pessoas, dos quadros. O objetivo será unir todos os parceiros em torno de projetos reconhecidos como úteis e valorizadores da unidade.
- Qual o papel das empresas de consultoria na economia?
No mundo atual, o conhecimento é a chave do progresso. A evolução tecnológica é de tal forma acelerada que a maior parte das questões essenciais para as empresas são ideias que lhes passam por cima, sobrevoando-as. São por isso essenciais entidades especializadas na perceção e vivificação dessas novas realidades, na requalificação das atividades internas das empresas, na análise e mitigação das suas fragilidades e vulnerabilidades. As empresas consultoras, são atualmente, parceiros indispensáveis à modernização, quase uns amigos permanentes a que as empresas recorrem para resolver parte dos seus problemas já que sozinhas não os conseguem equacionar e resolver.
- Como olha para o desempenho do Quadro Portugal 2020, uma vez que se aproxima da sua conclusão?
Os quadros comunitários são sempre úteis, mas há alguns cuja aplicação e consequências me preocupam. Preocupa-me muito os biliões de euros que gastamos desde os primeiros quadros comunitários em formação profissional. Preocupa-me que todos os governos falem em requalificação de recursos. Pergunta-se o que andamos a fazer há cerca de 30 anos em requalificação de recursos, com tantos biliões de euros que gastamos e continuamos sem essa formação. E ela destina-se sobretudo ao estado português, o principal ator das ações e dos instrumentos fundamentais para a requalificação e nenhum desempenhou uma atividade adequada e útil para o país. Por isso, é necessário recentrar os investimentos recorrentes, na modernização, na inovação e na recapitalização, na consolidação, sobretudo tecnológica nas empresas.
Não pode haver políticas de distribuição sem modernas políticas de produção, e para isso, começar pelos fundamentais, os métodos fundamentais que conduzem sempre a uma modernização nestes programas, em particular o Portugal 2020, que por isso se saúda mas que não pode ser entravado quaisquer formas de cativação ou idealismo democrático.
Eng. Ângelo Correia