Presságio de um Fracasso ou Último Esforço?

O 5.º Relatório da Comissão Nacional de Acompanhamento (CAN-PRR), divulgado no mês passado (https://www.prr.gov.pt/relatorios), alerta para um risco elevado de incumprimento das metas do PRR até agosto de 2026. Muitos projetos enfrentam atrasos graves devido a burocracia excessiva, deficiências nas plataformas digitais (autorizações, interoperabilidade, reembolsos), falta de recursos humanos em entidades públicas e empresas, limitada proficiência da Comissão Interministerial de coordenação do PRR e concursos públicos desertos. Fatores que comprometem pagamentos, execução e decisões estratégicas, o que coloca em risco o cumprimento dos objetivos do Governo.

Montantes e Impacto Previsto

O PRR, com verbas contratualizadas de 22,2 mil milhões de euros — 16,3 mil milhões em subvenções e 5,9 mil milhões em empréstimos — prevê aumentar o PIB entre 2% e 3,5% acima do que seria sem a “bazuca”, prevê a Comissão Europeia e o Governo. Mais prudente, o Banco de Portugal prevê um impacto da “bazuca” no PIB, até 2026, entre 1,1% e 2%, de igual modo e consideradas as sucessivas reprogramações e incertezas.

Estado de Execução (maio – junho 2025)

Em maio – junho de 2025, a taxa global de execução estava em 32-33%, com 8,49 mil milhões de subvenções e 2,9 mil milhões de empréstimos já utilizados. Restam por executar 10,8 mil milhões, entre subvenções (7,81 mil milhões) e empréstimos (3,01 mil milhões). Apesar do compromisso governamental, o risco de subexecução continua alto.

Situação dos Projetos e dos Setores

Dos 119 projetos analisados, 8% estão concluídos, 24% alinhados com o plano, 35% requerem acompanhamento, 20% são críticos e 13% preocupantes.

Houve uma revisão setorial com ajustes significativos, incluindo reprogramações e realocação de recursos. Na mobilidade sustentável, foram cortados cerca de 416 milhões de euros, afetando, por exemplo, a expansão do metro de Lisboa, com fundos transferidos para o Portugal 2030, Orçamento do Estado e BEI. Mantém-se o investimento em 390 autocarros elétricos (137 milhões), totalizando 835 veículos financiados, além de projetos digitais no setor ferroviário.

Em habitação, a contratualização caiu 391 milhões de euros. Dos 6.800 fogos T0 previstos, apenas 3.300 continuam financiados pelo PRR, com o restante coberto pelo BEI ou Orçamento do Estado, devido a custos maiores, prazos apertados e menor procura.

O setor da saúde recebeu reforço de 336 milhões para equipamentos, modernização e ampliação dos cuidados primários, destacando-se o Hospital Digital nos Açores (30 milhões), digitalização na Madeira (15 milhões) e reforma da saúde mental (88 milhões).

Na ciência, inovação e ensino superior, foram alocados 110 milhões para modernização tecnológica e 230 milhões para instrumentos financeiros que incentivem a inovação empresarial.

Para florestas e gestão hídrica, o PRR destinou 665 milhões para transformação da paisagem, cadastro e prevenção de incêndios. Projetos como as barragens do Pisão, Pomarão e a dessalinizadora do Algarve foram retirados, e a gestão hídrica perdeu 224 milhões em financiamento.

Em eficiência energética, hidrogénio e renováveis, o investimento inclui 300 milhões em edifícios residenciais, 240 milhões em públicos e 70 milhões em serviços. O setor do hidrogénio receberá 185 milhões, mais 69 milhões para Madeira e 116 milhões para os Açores.

Tendências e Desafios Transversais

Portugal tem melhorado progressivamente a execução dos fundos europeus, apesar de episódios de subexecução, especialmente nos programas iniciais e nos mais complexos. A tendência é de redução dessas falhas, mas ainda é crucial evitar atrasos e perdas, um desafio central para o PRR.

Este problema não é exclusivo de Portugal. Os deputados europeus recomendam a prorrogação do prazo do PRR até 2028, permitindo concluir os principais investimentos e assegurar que o Mecanismo de Recuperação e Resiliência cumpra a sua função numa economia europeia estagnada.

A prorrogação exigiria alterar regulamentos e requererá unanimidade no Conselho Europeu. A Comissão Europeia ainda não tomou posição oficial, mas reconhece os desafios na execução dos PRRs e poderá ajustar os prazos conforme a situação.

Conclusão

No meu ponto de vista, o relatório evidencia problemas estruturais profundos na execução do PRR em Portugal, principalmente relacionados com a burocracia, a falta de pessoal qualificado e descoordenação interministerial. Embora o montante investido seja significativo e com potencial para impacto económico positivo, o atraso pode comprometer seriamente os benefícios esperados. O esforço de reprogramação do PRR, ajustando investimentos para responder às prioridades, é positivo, mas ainda insuficiente para superar as atuais restrições de capacidade que limitam a eficiência operacional. A recomendação do Parlamento Europeu para alargar o prazo até fevereiro de 2028 parece essencial para garantir o sucesso do programa e evitar desperdício de fundos que poderiam impulsionar a recuperação económica e a transição verde e digital do país. No entanto, essa extensão exige vontade política e reformas estruturais para que a execução melhore efetivamente.

João Ferreira da Cruz

Economista