As PME familiares têm muitas vezes demasiada relutância em considerar a venda ou uma fusão com um concorrente, perdendo-se a oportunidade objetiva de maximizar o valor para os acionistas
Venda de empresas familiares: fenómeno raro e bastante criticado
Não obstante as vantagens da preservação do controlo das empresas familiares de geração em geração de que tantas vezes temos falado, a decisão da família acionista vai por vezes no sentido contrário. A venda não é de facto frequente e quando uma operação surge cria normalmente agitação, levantam-se sobrancelhas e questiona-se a sabedoria da decisão da família em vender – “Mas se as empresas familiares são melhores e se valorizam mais, porquê vender?” “Eles desistiram, não tiveram a nossa fibra” “Assassinaram o espírito do legado familiar” “Isto nunca vai acontecer connosco, o nosso legado é eterno e temos muito potencial para crescer”.

Será que em Portugal houve casos desta natureza nos últimos 5 anos? Alguns, mas muito poucos. Tivemos um caso muito ventilado, a venda da Dan Cake, fundada em 1978, à Biscuit International (BI), controlada por um fundo de investimento. Já a tomada do controlo do fabricante de moldes e peças de iluminação automóvel MD Group por um fundo de Private Equity foi mais discreta e estará já no mercado, fruto do sucesso do programa da nova gestão. A venda da Frezite, a histórica empresa especializada em ferramentas de corte, ao Grupo Sandvik ou da Frulact, um dos cinco maiores fabricantes mundiais de preparados à base de fruta para a indústria alimentar, ao fundo Ardian foram outras duas operações com destaque. Poderá ter havido outras operações desta escala… mas contam-se seguramente pelos dedos de uma mão.
Após a venda, vêm os parabéns da família, dos colegas, dos amigos, dos jornalistas e de alguns espectadores do setor. Mas nas costas não deixa de pairar um halo de deceção (“Que lástima uma tradição familiar tão forte se ter perdido”) e de reprovação da família por não ter tido capacidade para gerir o negócio num contexto em mudança… ou mesmo de crítica aberta a uma atitude gananciosa ou desleal dos acionistas face aos objetivos virtuosos gravados a ouro no legado do fundador.
Sim, é verdade que a venda de uma empresa familiar desperta normalmente muitos sentimentos negativos, adversos, mesmo pejorativos. Mas devia, na maior parte dos casos, ser motivo de celebração. Sob certas condições, vender a empresa familiar pode ser a coisa mais inteligente que os acionistas podem fazer para preservar o seu sucesso como uma família empreendedora. E pode ser a melhor coisa que pode fazer pelo próprio negócio – pelos ativos, pela marca e reputação e, sobretudo, pelos colaboradores. Muitos acionistas têm relutância em ver a situação desta forma, mas há que afastar tabus e medos, ter uma visão objetiva da realidade e atuar em conformidade.
Os princípios do comportamento saudável dos acionistas face ao negócio
Por princípio, uma família empresarial deve utilizar os seus bens para que sejam produtivos e devolvam valor e satisfação à sociedade e à família. Se uma família não tem condições para assegurar que o seu negócio seja produtivo, valioso e gratificante, não há razão objetiva para que não deva considerar vender o negócio, na expetativa de que o comprador possa trazer melhor gestão e rendimento ao negócio e permitir que a família se concentre noutras atividades. Por isso, é legítimo celebrar sempre que acionistas familiares vendem um determinado negócio a compradores que o vão fortalecer, especialmente quando a venda liberta a família para empreender outras atividades mais produtivas, mais gratificantes e que melhor se adaptem aos seus interesses e talentos.
A vida de uma empresa familiar saudável e bem gerida é tipicamente marcada por um crescimento significativo e pela sustentação de margens atrativas. A partir de um determinado momento, a empresa atinge uma posição e uma escala que a tornam atrativa para compra por um terceiro – um fundo de investimento, um concorrente nacional ou um grande operador internacional do setor. E seja por questões do negócio ou das intenções da nova geração da família acionista, tomar a decisão de vender é perfeitamente legítimo por 2 grandes ordens de razões.
- Em primeiro lugar, todas as empresas têm ciclos de vida. Um negócio que é competitivo num certo estágio da sua indústria pode precisar de escala, tecnologia, competências, um estilo de gestão diferente ou um nível superior de capital para competir adequadamente no novo estágio em que a sua indústria está a entrar. Neste contexto, se uma família quer preservar a sua presença no negócio do Fundador por várias décadas vai ter de assegurar os fatores de competitividade associados a cada novo estágio da indústria. Por uma série de razões, muitas empresas familiares deixam a certa altura de se conseguir adaptar a estas novas condições e fecham portas – o que aliás explica a elevada mortalidade das empresas familiares da terceira geração em diante. A maioria das empresas familiares que encerram as suas atividades fazem-no porque se tornam pouco competitivas (devido a má gestão, falta de reinvestimento ou tecnologia disruptiva que destrói ou transforma indústrias) ou porque a família perde o interesse no negócio. Vender bem e na altura certa pode ser a melhor forma de evitar esta agonia final.
- A segunda razão pela qual as famílias podem considerar vender deriva da evolução natural dos interesses dos acionistas, ou das suas próprias competências, ao longo de décadas e gerações. Quando isto acontece, os acionistas começam a afastar-se do negócio de família, tornando-se incapazes de gerir ou supervisionar a empresa como proprietários ou líderes empresariais ou perdem o interesse em fazê-lo. Muitas pessoas ligadas a empresas familiares veem isso como um “pecado” dos acionistas, mas é infelizmente uma evolução natural. O pecado ocorre sim quando os membros da família se tornam preguiçosos, improdutivos e completamente dependentes de terceiros em termos financeiros. A família deve gerir o seu desenvolvimento e a sua relação com o negócio da melhor forma possível e, em seguida, aceitar o que é real (em vez do que gostariam que fosse) sobre cada um dos seus membros e o contexto que enfrenta. A pior situação é construir um empreendimento de valor e ver esse valor esvanecer-se por não se enfrentar a realidade sobre os atributos distintivos da empresa e sobre as ameaças que ela enfrenta. E tem de se manter a consciência de que a família pode ser bem-sucedida noutras atividades e, preservando até a sua própria unidade, aplicar as suas motivações e competências noutro negócio. Não é uma observação de escape onírico – de facto, muitos estudos têm demonstrado que as famílias que vendem o negócio herdado do Fundador começam ou compram outro negócio e mantêm-se como uma família empresária unida e estimulada.
Avaliação objetiva do alinhamento entre os acionistas e o negócio familiar
Face ao que se referiu, é fundamental avaliar periodicamente o alinhamento entre os membros da família acionista e aquilo que a empresa familiar representa em termos de propósito, atributos, valores, objetivos e exigências de gestão. Essa avaliação passa por dar resposta a 3 simples questões, das quais derivam importantes implicações…
- A família é a melhor gestora deste negócio? Se não for, faz sentido acolher quem tenha as competências e os valores para explorar o potencial da melhor forma. Os membros da família podem continuar a ser proprietários do negócio e contribuir para a empresa como membros do conselho de administração ou noutras funções de relevo.
- A família é a melhor proprietária deste negócio? Temos os recursos (capital, alianças) para apoiar o desenvolvimento deste negócio e as competências e atitudes (perseverança, foco na qualidade, abertura ao risco, espírito de sacrifício) necessárias para ter sucesso nesta indústria? Se a família não tem condições para assegurar a futura competitividade do negócio, tem de considerar acolher em parceria terceiros que tenham as competências e recursos necessários – ou então sair completamente do negócio. A família pode ser um bom proprietário, mas não será o melhor se outros conseguirem geri-lo com maior sucesso.
- Este negócio está a produzir retornos adequados para a família? Possuir e gerir um negócio tem custos e benefícios para uma família – financeiros, psicológicos e relacionais. Os benefícios de possuir e gerir essa empresa devem ser superiores aos custos durante um período razoável. Além disso, o retorno acionista deve ser suficientemente alto para estimular a sua permanência na empresa e superior a aplicações alternativas do seu capital – se os recursos e esforços da família fossem aplicados noutra direção, seriam os retornos maiores?
Face à rapidez de mudança dos contextos competitivos em praticamente qualquer indústria, é importante e saudável desenvolver esta avaliação por exemplo de 3 em 3 anos com a contribuição de conselheiros externos próximos, proprietários chave e o Conselho de Administração. E com uma absoluta garantia de transparência e objetividade.

E afinal de contas – faz ou não sentido vender?
Tomar a decisão de vender ou manter uma empresa familiar envolve alinhar os interesses dos principais intervenientes do contexto da empresa: os acionistas (que tomam a decisão), os líderes empresariais, os membros do conselho de administração e finalmente os membros da família. Cada um terá a sua perspetiva, interesses e métodos de raciocínio próprios e é essencial entender essas posições individuais para capturar bem os interesses e motivações em relação a manter ou vender o negócio.
Ao mesmo tempo, temos o lado emocional. Há muitas vezes um apego sentimental por parte das famílias empresárias aos ativos sob sua posse. Por isso, uma decisão de vender o negócio requer normalmente uma motivação muito mais forte do que para preservar a sua propriedade. Não obstante, a decisão de vender ou manter é facilitada por um balanço preparado com a máxima objetividade e num momento em que a venda seja propícia.
A decisão de vender está tomada – e agora, como gerir o processo?
A chave do sucesso está no momento de agir. Para receber um preço atraente, o momento certo de vender é quando um comprador está pronto para o adquirir, não quando os acionistas estão prontos para o vender. Esta constatação nem sempre é fácil de compreender para os acionistas porque eles geralmente estabelecem o timing do processo conforme as suas necessidades e no momento que lhes interessa, mesmo que não seja evidente que haja um comprador ou que a própria empresa não esteja na melhor forma para projetar a sua atratividade e suportar o preço pretendido.

Adicionalmente, se uma indústria se está a consolidar, deve procurar-se uma posição mais próxima do front-end de um roll-up do setor do que do tail-end. Isso requer uma compreensão da dinâmica do setor da empresa e uma negociação habilidosa.
Vender uma Empresa requer habilidades especiais e é provável que os acionistas de uma empresa familiar não tenham experiência com esse processo. Há que evitar estar sentado do outro lado da mesa em frente a uma equipa do comprador muito mais experiente. E só porque um potencial comprador diz o quanto ele admira o que a família construiu e que ele quer que ela permaneça ligado à empresa, isso não significa que ele tenha os seus melhores interesses no coração. Num processo de venda, o vendedor precisa de um aliado forte experiente e de confiança que o possa guiar.
Em Portugal, poderá haver mais empresas familiares a passar de mãos?
Temos defendido muitas vezes a criticidade do aumento de escala do tecido empresarial em Portugal e sabemos que as operações de fusão e aquisição são decisivas para o efeito. Em Portugal, mais do que noutros países, empresas familiares de pequena e média dimensão têm um forte apego ao seu legado e os acionistas estão tipicamente muito envolvidos no negócio o que resulta numa relutância grande em considerar uma venda ou uma fusão. Mesmo as empresas familiares abertas a vender ou comprar, que são, na nossa experiência, raras, não atacam a sua intenção com a determinação e o suporte profissional que seriam necessários para a levar a bom porto.
Para quem tem algum conhecimento do universo das empresas familiares em Portugal, uma leitura atenta dos dois conjuntos de condições – motivadores de venda e motivadores de preservação do capital – demonstra inequivocamente que o estado de alma dos acionistas destas empresas dá muito maior importância ao primeiro do que ao segundo.
Por essa razão, e apesar do que aqui foi escrito, não considero expectável que venha a haver uma alteração substantiva neste padrão, mesmo com as crescentes dificuldades de sucessão que se conhecem em Portugal como em todo o Mundo. O tão desejado aumento de escala, a existir, far-se-ia mais pela queda de pequenas empresas e pelo crescimento orgânico das grandes. Apesar de tudo, esperamos que esta reflexão sobre o porque, o quando e o como se lançar uma operação de venda ou de fusão seja útil e estimule alguns corpos acionistas mais afoitos a considerar e avançar com uma operação inorgânica.
Founder & Managing Partner da ARBORIS