Mais controlo, menos coesão?

Os novos fundos europeus: a Comissão Europeia apresentou o programa de despesas plurianuais para o período de 2028 a 2034, onde define as prioridades políticas da União e os principais instrumentos financeiros, como os Fundos Estruturais, o Fundo de Coesão, os programas comunitários e a Política Agrícola Comum (PAC), com os respectivos envelopes orçamentais.

Do montante global previsto, de €2 mil milhões, serão canalizados €865 mil milhões através dos novos National and Regional Partnership Plans — planos estratégicos únicos por Estado-Membro, a serem elaborados em parceria com autoridades nacionais, regionais e locais, e submetidos à aprovação da Comissão. Os fundos europeus serão desembolsados conforme o cumprimento de metas previamente estabelecidas, num modelo de pagamentos por desempenho semelhante ao PRR.

Portugal deverá receber €33,5 mil milhões (a preços correntes), distribuídos da seguinte forma:

  • €31,6 mil milhões para coesão, agricultura, pescas e reformas regionais;
  • €900 milhões para migração, segurança e assuntos internos;
  • €900 milhões para inclusão social e fundos climáticos.

Adicionalmente, poderá recorrer, de forma voluntária, à iniciativa Catalyst Europe, que disponibiliza até €150 mil milhões em empréstimos em condições favoráveis para projectos estratégicos nas áreas da defesa, energia, tecnologias limpas e cibersegurança.

O acesso a estes fundos exige que Portugal apresente um plano estratégico integrado, alinhado com os grandes objectivos da União: transição verde e digital, coesão territorial, inovação e respeito pelo Estado de direito. Este plano deve identificar prioridades nacionais e regionais, como habitação, infraestruturas, inovação ou inclusão social. A execução estará sujeita a mecanismos rigorosos de controlo, com monitorização centralizada dos beneficiários finais, para garantir legalidade e transparência.

Contudo, a proposta tem gerado forte contestação. O Parlamento Europeu alerta para uma recentralização orçamental que poderá fragilizar a capacidade de acção colectiva da UE, reduzindo o envolvimento das autoridades regionais, nomeadamente das Regiões Ultra-Periféricas (RUP), como a Madeira e os Açores. O Governo Regional da Madeira opõe-se ao modelo centralizado e exige maior autonomia e participação, salientando o seu histórico de execução eficaz de fundos europeus.

Também o Governo Regional dos Açores criticou a proposta, considerando-a desadequada às especificidades regionais. Propôs que os Açores sejam prioritários em projectos-piloto nas áreas da economia azul, espaço, transição verde e inovação, defendendo ainda a criação de um regime POSEI Transport para compensar os custos da dupla insularidade.

Várias autarquias manifestaram preocupação com o afastamento das autoridades locais da definição e gestão dos fundos, temendo um impacto negativo na eficácia da sua aplicação. Há ainda receios de que a fusão de diferentes fundos num único instrumento financeiro e a rigidez nos objectivos de despesa (habitação ou clima) conduza a uma competição desequilibrada entre regiões, prejudicando as mais vulneráveis.

Outro ponto crítico é a alegada redução efectiva — entre 20% e 30% — do financiamento à agricultura e à coesão em termos reais, o que poderá afectar negativamente zonas rurais e sectores frágeis. Como vai o Governo gerir este corte? A falta de transparência no processo e a limitação do papel do Parlamento Europeu no controlo orçamental foram também amplamente denunciadas. Por fim, relatos internos na própria Comissão Europeia indicam divisões quanto ao modelo proposto e ao modo como o processo foi conduzido.

Com a proposta da Comissão inicia-se o processo de intensas negociações para que o processo se conclua em finais de 2027 e o novos fundos europeus, o QFP 2028-2034, entrem em vigor em janeiro de 2028, sem incómodos, na passagem entre os ciclos.

João Ferreira da Cruz

Economista