A MagazineHM #66 apresenta a entrevista realizada ao Professor Júlio Viana, Presidente da Direção Executiva do DTx – Digital Transformation CoLab, cargo que ocupa desde julho de 2024 e após ter desempenhado funções de Vice-Presidente entre 2022 e 2024.
Professor Associado no Departamento de Engenharia de Polímeros da Universidade do Minho e investigador do IPC – Instituto de Polímeros e Compósitos/LASI – Laboratório Associado em Sistemas Inteligentes, Júlio Viana é, atualmente, membro eleito do Conselho Científico da Escola de Engenharia da Universidade do Minho e integra as comissões científicas dos programas de doutoramento em Ciência e Engenharia de Polímeros e Compósitos e em Fabricação Digital Direta.
Paralelamente à sua atividade académica, possui experiência em gestão de empresas, nos domínios organizacional, tecnológico e de I&D+i.
Entrevista

1. O DTx é um CoLab de 1.ª geração e de momento integra 5 Agendas Mobilizadoras. Concretamente, qual é a proposta de valor do DTx e de que forma é que está a contribuir para um setor empresarial mais digitalizado?
O DTx é um Laboratório Colaborativo que desenvolve, desde 2018, atividades no âmbito da investigação aplicada em diferentes áreas da transformação digital, numa estreita colaboração entre a Academia e o tecido empresarial. O DTx diferencia-se pela sua abordagem holística e integrada à transformação digital, desde os materiais e sistemas embebidos (mundo físico), à inteligência artificial, ciência e engenharia de dados e à computação de elevado desempenho (mundo digital), passando pelos aspetos ergonómicos das interações humano-máquina. O DTx apoia os seus Associados a implementar soluções da Indústria 4.0 e a desenvolver os sistemas ciberfísicos da próxima geração, com centralidade nas pessoas e na sustentabilidade. Em colaboração estreita com os seus Associados, e apoiando a sua estratégia de inovação, a proposta de valor do DTx pretende assegurar e acelerar a transformação digital nos seus Associados, garantindo que implementam as últimas tendências tecnológicas.
Atualmente, estamos a executar cinco Agendas Mobilizadoras para a Inovação Empresarial ao abrigo de financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), com um volume de financiamento de 16M€. Nestas Agendas são esperados contributos técnico-científicos e soluções tecnológicas disruptivas que aumentam a eficiência operacional, desenvolvam produtos inovadores e melhorem a competitividade global das empresas associadas.

2. O trabalho em estreita relação com as empresas faz parte do ADN do DTx. Como é que o trabalho em projetos que envolvem soluções de ponta tem desafiado os mais de 120 colaboradores do vosso CoLAB?
A inovação colaborativa faz parte do nosso ADN. A inovação constante desafia os nossos mais de 120 colaboradores a trabalharem em ambientes de elevada complexidade, nos quais a colaboração multidisciplinar entre as equipas do DTx – Digital Transformation CoLab e dos seus Associados é fundamental. Somos parceiros de inovação dos nossos Associados em projetos que envolvam, por exemplo, novos sensores e atuadores, digitalização, computação na fronteira (edge computing), aprendizagem automática (machine learning), IA, cibersegurança, computação avançada, na nuvem e quântica, dando relevância à centralidade humana na interação com a tecnologia. Estes projetos exigem um elevado nível técnico e uma cultura de aprendizagem exigente e contínua, sendo central a aposta do DTx nas pessoas para o sucesso da transformação digital. O DTx impulsiona uma mentalidade ágil e fomenta um ecossistema onde os nossos colaboradores estão constantemente à procura de soluções inovadoras para os desafios globais, criando valor para os Associados.
3. Na experiência do DTx, como é que se desenvolve a relação entre as empresas e a Investigação & Desenvolvimento? Quais são os mitos mais comuns que limitam essa colaboração e que tipo de investimento considera fundamental para superar essas barreiras e impulsionar a inovação de forma sustentável?
A relação entre as empresas e o DTx desenvolve-se de uma forma colaborativa e alicerçada num modelo de proximidade, de confiança e de segurança, na busca continua pelas melhores e mais rentáveis soluções tecnológicas. Tudo apoiado pela permanente atualização e conhecimentos técnico-científicos das equipas do DTx e da sua estreita interação com as unidades de investigação das universidades associadas (Universidade do Minho, Universidade de Évora e Universidade Católica). Esta relação é altamente enriquecedora e produtiva, mas existem barreiras muitas vezes estruturais e das próprias culturas organizacionais que a influenciam.
Alguns dos mitos mais comuns incluem, por exemplo, o facto de se considerar a investigação académica demasiado teórica e demorada, e pouco orientada ao mercado; o facto do investimento em I&D ser considerado muitas vezes um custo e não um investimento e um fator de crescimento e competitividade; ou a ideia de que as empresas não partilham conhecimento.
O DTx, como CoLab, pretende derrubar estas barreiras, respondendo em tempo útil aos desafios tecnológicos e de inovação dos seus Associados, desenvolvendo e implementando estratégias e agendas de I&D+i conjuntas, e criando valor para as empresas. A adoção de políticas de inovação aberta (open innovation) e a criação de programas/fundos de investimento direcionados para impulsionar a inovação das empresas de forma sustentável (p.e., atualização tecnológica, projetos de I&D+i, recursos humanos altamente qualificados) são essenciais para esta superação.
4. Como é que as atuais convulsões políticas e económicas estão a afetar a transformação digital das empresas? Sente os ventos de mudança na vossa atividade?
A instabilidade e a incerteza política e económica globais têm, naturalmente, impacto nos investimentos em inovação, podendo algumas empresas optarem por adotar uma abordagem mais conservadora. Por outro lado, e de um modo mais empreendedor, isto pode ser visto como uma oportunidade. Nestes tempos mais conturbados, torna-se necessária uma visão estratégica que alinhe os interesses das empresas com objetivos de mais longo prazo. Acresce que vivemos numa época de transformações tecnológicas, políticas e sociais (e ambientais) aceleradas. A transformação digital é apenas uma delas, mas muito relevante.
Acompanhar os processos de transformação digital já não é uma opção: afigura-se um imperativo estratégico para a sobrevivência das empresas, para a sua resiliência e capacidade de (re)adaptação. Por exemplo, através da racionalização e otimização dos processos, da criação de novas soluções e produtos diferenciadores e inovadores, e da redução de custos. As organizações que investem agora na transformação digital (p.e., digitalização, automação e robotização, Inteligência Artificial (conhecer os apoios ao investimento em matéria de IA), computação avançada, entre outras), vão assegurar uma posição mais forte para enfrentar os desafios do futuro. No exercício da nossa atividade, sentimos essa procura do “futuro hoje”, do futuro mais digital, através de soluções que garantam maior eficiência, sustentabilidade e resiliência empresarial.
Este é um momento crítico para garantir que a transformação digital continue a avançar, mesmo num período mais instável. E, também, com uma maior aposta nas pessoas. A transformação digital não é substituir pessoas, aliás estas estão no centro desta transformação.

5. Considerando o atraso histórico da Europa em matéria de Investigação & Desenvolvimento em comparação com os EUA e a China, como avalia a eficácia dos incentivos fiscais atualmente disponíveis para fomentar a inovação?
Atualmente, a Europa está atrás dos Estados Unidos e da China em diversas áreas chave da inovação (p.e., IA, semicondutores, computação quântica, startups tecnológicas), tendo o Relatório Draghi colocado o “dedo na ferida” e intensificando o debate neste assunto. Isto deve-se, em parte, às políticas fragmentadas, à menor disponibilidade de capital de risco e à pouca agilidade da regulamentação na Europa. Os incentivos à inovação podem desempenhar um papel fundamental na redução desta lacuna. Por exemplo, aumentando o investimento e incentivos em I&D+i, especialmente em setores estratégicos, que estimulem o investimento do setor privado e as parcerias público-privadas. Torna-se relevante reduzir o risco da inovação, principalmente em tecnologias disruptivas, ao financiar projetos de alto risco e impacto (p.e., na transformação digital) e na criação zonas de teste e validação das novas tecnologias (sandboxes) que possam acelerar a sua adoção.
O programa France 2030 fez uma aposta em programas de cooperação entre o setor público, as universidades/centros de investigação e as empresas privadas, com foco em inovação de longo prazo e competitividade global. Na Alemanha, a High-Tech Strategy, HTS2025, quer promover centros de excelência que conectem a investigação aplicada e as necessidades industriais. Os incentivos públicos em inovação devem permitir aumentar o investimento privado das empresas europeias em I&D (que é cerca de metade das empresas americanas). Estes têm que continuar a promover o desenvolvimento de ecossistemas de inovação, permitindo que os diferentes atores colaborem, garantindo o potencial científico da Europa, em produtos e soluções inovadoras para o mercado global. O relatório Align, Act, Accelerate propõe uma agenda estratégica para reforçar a competitividade europeia através da investigação e inovação, defendendo o aumento do orçamento do próximo Programa-Quadro e a simplificação de procedimentos para acelerar o seu impacto.
Em Portugal, os incentivos nacionais à inovação, necessariamente alinhados com as iniciativas europeias, devem estimular a tomada de risco inteligente e ajudar a construir capacidades nacionais em tecnologias críticas. A Estratégia Nacional de Investigação e Inovação para uma Especialização Inteligente, ENEI 2030, é um referencial estratégico para coordenar intervenções públicas em investigação e inovação, visando uma especialização inteligente e sustentável do país. O desafio não está apenas em mais investimento — mas sim num apoio mais ágil, inteligente e direcionado.
Júlio Viana, Presidente