Orçamento do Estado 2026: Crescer com Cabeça
A proposta de Orçamento do Estado para 2026 (OE2026) e o parecer do Conselho das Finanças Públicas (CFP) traçam um cenário que pede cautela. Há sinais de estabilidade, sim — mas sustentados em bases frágeis. O Governo projeta um crescimento económico de 2,3%, um excedente orçamental de 0,1% do PIB e uma redução da dívida pública para 87,8%. No papel, o equilíbrio parece sólido; na prática, depende de receitas extraordinárias e pressupostos optimistas.
O CFP é claro: sem dividendos e alienações de ativos, o excedente transforma-se num défice de -0,3%. Ou seja, o país mantém a aparência de contas equilibradas, mas com um motor apoiado em fatores não recorrentes. Esta é uma estabilidade condicionada — mais política do que estrutural — e o Conselho avisa: basta um desvio na execução orçamental para o quadro mudar rapidamente.
Empresas entre a Prudência e a Oportunidade
Para o tecido empresarial, 2026 será um ano de crescimento moderado e previsibilidade limitada. A consolidação orçamental oferece confiança, mas o seu carácter transitório impõe prudência. O equilíbrio depende de variáveis fora do controlo das empresas, e isso obriga a planear com margens de segurança. Quem apostar em cenários demasiado optimistas pode ver-se confrontado com ajustes fiscais ou travões no investimento público.
O Governo acena com um alívio fiscal: redução gradual do IRC para 19% e uma taxa de 15% para os primeiros 50 mil euros de lucro das PME. O impacto global, cerca de mil milhões de euros, é positivo, mas insuficiente para alterar estruturalmente o ambiente fiscal. O risco é tratar o alívio como espaço para gastar mais, quando o contexto exige o contrário: usar esta folga para reforçar balanços, amortizar dívida e investir em inovação e eficiência.
O OE2026 inclui 20 milhões de euros para integrar inteligência artificial na Administração Pública — um valor simbólico, mas que revela uma tendência: a digitalização como eixo estratégico. A intenção é acertada; a dúvida é se será executada. Portugal tem um histórico de políticas bem desenhadas e mal implementadas. O CFP alerta precisamente para isso: a suborçamentação da despesa e a fraca execução de investimento público.
Para as empresas, a mensagem é clara: quem esperar pelo Estado perde tempo. As oportunidades estarão nas empresas que se anteciparem — investindo em automação, análise de dados, economia circular e competências digitais. O futuro será de quem usar a transformação tecnológica como vantagem competitiva, e não como tema de conferência.
Produtividade, Tecnologia e Resiliência: o Verdadeiro Equilíbrio
A previsão de uma taxa de desemprego em torno de 6% e o aumento do salário mínimo para cerca de 920 euros criam um mercado de trabalho mais apertado e caro. O impacto nos custos é inevitável, e só há uma resposta possível: produtividade. A competitividade já não se comprará com salários baixos, mas com talento qualificado, processos eficientes e inovação contínua.
O CFP aponta riscos externos que continuam a ameaçar o crescimento: tensões geopolíticas, custos energéticos, volatilidade nas cadeias de abastecimento e lentidão na execução dos fundos europeus. O equilíbrio orçamental pode ruir se qualquer uma destas variáveis se agravar. Para as empresas, isso reforça a importância da gestão de risco: diversificar mercados, fortalecer liquidez e preparar planos de contingência é hoje uma obrigação estratégica.
Há oportunidades reais — sobretudo nos setores ligados à digitalização, ciência, energia e sustentabilidade —, mas só quem agir com estratégia as aproveitará. A execução orçamental e a agilidade do Estado serão determinantes, mas a responsabilidade de se adaptar é, antes de tudo, empresarial.
O CFP pede prudência. Prudência, sim, mas com ambição. Portugal não pode contentar-se com a ilusão de estabilidade; precisa de solidez, execução e visão. 2026 será um ano de gestão estratégica, não de euforia. As empresas que planearem com rigor, investirem em tecnologia e valorizarem pessoas estarão melhor preparadas — não porque o contexto facilita, mas porque saberão prosperar malgré lui.
João Ferreira da Cruz
Economista